Criação de um personagem

Vou deixar, para registro, uma das várias forma que eu utilizo para criar personagens. Comecemos com um ponto. Um detalhe qualquer. Um nariz.
Como é esse nariz?? Pequeno, de linhas leves embora um tanto gordo. Um típico nariz de um brasileiro miscigenado. Com o nariz vem o rosto, um rosto delicado que orna com esse nariz. Será uma criança? Ainda não está bem claro.
Eis que surgem os olhos. Olhos escuros, meio amendoados; não olhos de orientais, apenas os olhos que aparecem em certos descendentes de africanos. Ora que surpresa! São olhos de mulher. Uma mulher jovem, a despeito de algumas pequeninas rugas que a maquiagem esconde tão bem. São sinais de uma vida de luta e sofrimento. Tem uns vinte e poucos.
Agora que definimos o sexo, o resto será mais tranqüilo.
Emoldurando as partes do corpo que já apareceram surge o cabelo. Um cabelo negro longo, cacheado e brilhante, que um ser ignóbil, pela forma, comparou num dia longínquo com “miojo”. Bonito cabelo. Mas ele sempre aparece preso; motivos puramente práticos. No momento ela está com um lenço na cabeça, ou um chapéu, não sei. A partir de agora vamos supor que, para fins de exercício, todas as informações que não são visuais não passam de suposições, certo? Mas, como eu ia dizendo, belo cabelo. Orna bem com a cor de pele, que no momento assume um tom pouco mais claro que o jambo, num efeito incrível. Linda morena...
Aparece a boca. Uma boca rosada e carnuda, do tipo que todos gostam de ver sorrindo. Porque quando ela sorri, não o sorriso tímido apresentado a todos, mas o sorriso franco e sincero de quem sabe onde está e quem é, ilumina o ambiente. Forma até covinhas! E quando ela ao sorrir morde o lábio inferior olhando prá você, a luz batendo nos malares levemente proeminentes, os olhos cheios de expectativa... ai então, meu amigo, é de tremer nas bases!
Ma ela não sorri. Não que esteja sizuda, apenas parece... cansada, o tipo de cansaço que você vê comumente nos pontos de ônibus, de manhã. Do tipo que parece dizer que horas de riso são poucas, e privadas; não devem ser mostradas a qualquer um. Continuamos descendo. O pescoço elegante termina em ombros fortes que por sua vez vão a braços exatos e terminam em mãos de linhas finas mas calejadas, o tipo de membros encontrados nas classes campesinas, acostumado com a lide diária. Provavelmente trabalha numa fábrica, serviços de costura. Ou então é faxineira contratada por empresas de serviço para limpar prédios. Pode ainda ser diarista, embora poucas mulheres fossem loucas de colocar alguém assim para conviver com seus maridos e filhos.
O tronco... cirúrgica e rapidamente falando: seios fartos passando por uma barriga que não é exatamente uma tábua (está algo acima do peso) e terminando em coxas e batatas da perna grossas lindamente torneadas. A despeito do que qualquer outra mulher possa dizer ela não é gorda. Nem “cheinha”. Ela é voluptuosa, ou como dizem algumas classes, “parruda”. O tipo de beleza que fazia sucesso na época da Marilyn Monroe.
Gorda, algumas ainda diriam.
Prá fim de conversa, ela diria para qualquer pessoa que lhe olhasse com desdém: “Pois fique sabendo que até hoje ninguém reclamou, viu?”. E nós homens concordamos com ela. Dá-lhe garota! Por fim pés pequenos mais meio grosseiros.
Cobrindo-lhe o corpo (e descontando a roupa de baixo), temos uma blusinha de manga curta branca com uma blusa de malha rosa por cima, tendo estampado o desenho do Leitão. Calça capri preta
“Capri não; corsário! Seja mais moderno, né?”.
Ok. Você que sabe, afinal a roupa é sua.
Como eu ia dizendo , uma calça corsário de tecido preto, uma meia branca baixada junto ao tênis preto simples. A tiracolo carrega uma bolsa média de nílon preto na qual ela carrega o celular, que tem um badulaque qualquer do Puf... Não, da Hello Kitty. Alem disso carrega os documentos (numa carteira), vale transporte, caneta e bloco, um kit “de emergência” para situações delicadas, além de um rádio com fones de ouvido que já está fazendo hora extra, e só não foi substituído por um MP3 player por falta de verba para a aposentadoria. As roupas parecem meio velhas, porque ela vai trabalhar, e não é nenhuma “desfrutável”. As roupas boas ficaram para quando vai às baladas procurando o príncipe encantado ou quando vai à igreja (não importa se é católica, evangélica ou protestante, ela comparece todo o domingo a uma igreja, e quando faz isso vai com as roupas boas, ponto).
Pronto. Agora só falta um nome. Tem que ser algo brasileiro e simples, que reflita a realidade a nossa realidade, algo meio Macabéa. Não pode ser Maria, tem de ser algo mais produzido. Já sei, Anamaria. Por quem sonhas, ó bela? Enfim. Temos finalmente um personagem: Anamaria. Lá vai ela, Anamaria, uma mulher, muitas mulheres, descendo a rua de casa para pegar o ônibus e ir trabalhar numa manhã sonolenta do Brasil.

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