Famílias (Antigo)


Sempre cri que merecêssemos certas coisas nesta vida. Mas, se assim for, creio que devo ter espalhado o mal sob várias formas para merecer semelhante castigo. É que escrevo estas mal traçadas enquanto espero que meu filho, sua esposa e meu neto venham passar o dia aqui. Sei que eles não são as pragas egípcias, mas para um pobre aposentado como eu que preza substantivos como paz e sossego, não poderia haver suplício maior que ser o receptáculo de semelhante espetáculo abissal. O arguto leitor deve estar a pensar no momento que eu sou um ranzinza, mas é com certo orgulho que renego este título. As casas vizinhas sempre referem-se a mim como simpático e de bem com a vida, todavia certas coisas nem Jó foi capaz de suportar e eu, que não tenho pretensão de me igualar ao personagem, as tolero em escala muito menor. Talvez o prezado amigo tenha noção do que me refiro. Toda família tem um grupo assim, e facilmente serias capaz de perceber semelhanças entre estes mal quistos e, por exemplo, minha nora.
Imagine antever este ser insosso adentrando em seu recinto. Baixa, acima do peso, e mesmo assim usando roupas que pareceriam apertadas em top models. Mas claro que bem antes perceberias sua presença, pelo odor típico do perfume dela, no qual a dita submerge-se antes de sair de casa. Seu primeiro movimento é olhar o ambiente medindo as pessoas com a vista, de baixo para cima tal qual um coveiro de desenho animado. Em seguida olhar com desdém para os móveis da casa, de estilo clássico, e dizer com sua voz de taquara rachada: “Oieee! Chegamos! Noossa, tipo assim, achei suuuperlegal o que vocês fizeram com a casa”. É claro, nada fizemos com a casa e a Banshee sabe. Mas é apenas pretexto para continuar: “Mas o Beto comprou prá gente um sofá show de bola! Ah, tipo assim....sabe? Daquele da novela!”. E a partir daí sua vida se resume a criticar o que os outros fazem e o que eles têm, contando o que comprou para si e sua família, e explicando como é uma ótima dona de casa. Obviamente a dona de casa perfeita não move um músculo para ajudar minha esposa que sofre de Osteoporose. Pobre Cida, se matando para agradar aquelas coisas e para a reunião dar certo. Ela se importa com o trio, e quer que se sintam bem. Enquanto isso a outra fica lá, sentada como se fosse a rainha de Sabá Não sei se o pior deste caso é o conteúdo da conversa ou sua forma. Como uma universitária (pelo menos é o que dizem), só conhece cem verbetes de uma língua com dezessete mil? Deveria colocá-la para conversar com a filha da minha sobrinha, que está na adolescência, e criar uma promoção: Descubra quantos “tipo assim” e “Loco” elas dizem em uma hora e ganhe muitos prêmios. Disse que ela não se mexia? Devo retratar-me: Ela se levanta uma única vez, para fazer o prato do Beto (reclamando que a MÃE dele não sabe fazer a comida como ele gosta) e do Júnior.
Júnior. Meu neto. Ainda não acredito: como conseguiram pensar neste nome sozinhos? Com tanto nome no mundo e colocaram Roberto Júnior. Ai... deixe para lá. Vamos falar da pequena cria de Alien. Chamo-o assim pois do jeito que ele é e por sua aparência provavelmente não houve gestação ou nascimento; como no filme ele deve ter estourado a barriga da mãe para sair. A característica que mais salta a vista é o nariz. Se a mãe dele tem nariz empinado figuradamente, ele o tem de fato. Realmente, parece que o garoto bateu a cara contra uma porta de vidro. Logo após percebemos as orelhas. Elas são abertas para fora e grandes, o que dá à cabeça a aparência de um Fusca com as portas abertas. Mas deixem o físico de nosso pequeno porquinho de lado. Por mais engraçado que ele seja não te enganes; estarás em frente a todo um exército invasor Vândalo, especializado em busca e destruição, e com tal eficácia que coraria qualquer kamikaze. E quando ele atacar, cuidado! Protejas todo e qualquer objeto que lhe seja caro, bem como animais e vidros.
É impressionante como o garoto é mal educado. Entra, não cumprimenta, tira as coisas do lugar, mexe, quebra, xinga, faz birra e a mãe ainda acha graça!(Enquanto isso a Avó dele diz: “deixa, criança é assim mesmo...”). O garoto tem sete anos e já não gosta de ir a escola. Tem uma lentidão horrível na leitura, que é inversamente proporcional à sua capacidade de aprender o que não presta. Não conheci uma pessoa, além dos felizes pais e de minha Cida, que gostasse do pequeno orc. E quando abre a boca, como berra! Parece um bezerro desmamado. Aos gritos de “EU QUERO”, ele sempre consegue satisfazer seus desejos. Cida ainda briga comigo quando sou sarcástico (coisa que eu adoro).por exemplo, disseram uma vez que ele estava tomando um remédio que tinha um Gnomo na capa, e eu aleguei que não deveriam ensinar a alguém tão novo o antropofagismo. Felizmente a dupla de parvos é tão lenta de raciocínio que não entendeu, mas este pequeno prazer me custou um dia inteiro de reclamações da minha esposa. O pai vira para mim e diz que não sabe o que fazer. Deveria sugerir-lhes umas boas palmadas de vez em quando, mas particularmente eu o colocaria dentro de uma Betoneira com cimento e água; seria um bem para a humanidade. Sinceramente (por uma última tentativa orgulhosa de salvar meus genes), espero que a gorda tenha traído o Beto....
Aliás, falando de meu filho..... que pulha! Como eu criei um ser desses? É o tipo de coisa que não dá para entender. Sempre ligado às coisas materiais, acabou demonstrando talento sem igual para a bajulação. Sempre adulando professoras, amigos ricos, chefes. Assim chegou a seu cargo atual. Como uma rêmora, ele gruda nas pessoas e sobe com elas. Como era de se esperar, não tem nenhum amor-próprio, ou hombridade (aliás, se tivesse não teria casado com aquela coisa pra começar). Parece uma brincadeira do destino, ver tudo aquilo que sempre abominei nas pessoas à minha volta em meu rebento. E, se me premitem, COMO É BANANA! A esposa manda nele, os amigos mandam nele. E ele tenta se vingar da mesma maneira que na adolescência: tentando dar ordens à mãe. Mas eu não deixo. Dou um passa-moleque nele que o deixa até tonto. E ele olha rancoroso para mim, porque não o deixei fingir que era homem. Ai, meu pai eterno! O que eu fiz de errado? Poderia ter feito mais por meu filho, educado-o mais, ensinado mais, não ouvido a mãe dele e ter castigado bem mais! Assim ele sairia com algo de que, se não poderia me orgulhar, ao menos não me deixaria com vontade de abandonar tudo e mudar para Tonga, de tanta vergonha. Poderia ter feito mais..... Ouço-os chegando, e o pentelho mirim já quebrou alguma coisa. Eu sei o que deveria ter feito com o Beto, quando ele era criança.
Afogá-lo na privada.