Retratos de São Paulo

Bela Vista


Eduardo subia sem pressa a Avenida Brigadeiro Luis Antônio. Embora fosse tarde da noite e em geral as pessoas não considerassem muito sadio andar despreocupadamente ele ia sem pressa, as mãos no bolso da jaqueta, olhando o chão enquanto a garoa fina e gelada molhava seu cabelo. Era uma noite fria de outono, do tipo que o faria querer ficar em casa ouvindo música melódica e tomando café ou chá, olhando pela janela o dia passar, embora não fosse aquele o caso. Olhou para cima, mais um tempo andando e chegaria à Paulista, de onde pegaria o ônibus para casa. Virou na Alameda Lorena, seguindo seu coração.

O que ele precisava no momento era andar, a cabeça volteando, pensando em tudo para não pensar em nada, não se lembrar dos problemas que tinha. Caminhava chutando uma pedra que encontrara. A Alameda Lorena é um dos endereços mais chique de São Paulo, mas quase que apenas entre a Augusta e a Bela Vista. Ali no comecinho parecia com todas as outras ruas do bairro. Lembrou-se de uma banca que houvera na rua há muito tempo. Ele ali passara toda semana quando era boy para comprar o jornal de que gostava. Ela ainda existiria? Provavelmente sim, mas não estaria aberta; em geral apenas na Paulista as bancas ficavam abertas até tarde. Continuou andando, a mente consciente entregue as vagas que o inconsciente lhes lançava, com medo de se agarrar a um pensamento ruim, coisas da vida.

Chegou a Augusta. Do outro a alameda seguia, inexorável, as lojas todas impecáveis. Acima o fim da sua viagem a pé. Uma luz chamou sua atenção, abaixo, e ele desceu seguindo-a. O garçom com cara de sono mal percebeu o jovem que sentara na esfiharia. Ele se aproximou. O jovem pediu algumas esfihas e um suco de laranja. Comeu de maneira bovina, ruminando reminiscências. Pagou com dinheiro e saiu. O vento aumentara, parecendo uma zombaria de algum poder maior. Eduardo puxou o zíper da jaqueta e começou a subida. Ignorou completamente o convite de uma moça que vendia esquecimento a preços módicos. Deveria estar perdida, já que normalmente os pontos ficavam mais abaixo. Subiu mais e virou junto ao Conjunto Nacional, entrando na Paulista.

A avenida deve ser a maior prova do jargão “cidade que não para”. Embora já passassem da uma da manhã o trânsito continuava intenso. Não como durante o período 06:00-20:00, quando se tornava insuportável, mas mesmo assim maior que o trânsito de algumas cidades durante o dia. Aproveitou um sinal fechado para atravessar a avenida; seu ônibus iria sentido Doutor Arnaldo. Sentou-se num ponto esperando o coletivo que o levaria para casa, os pés balançando, parecendo que queriam fugir só que sem saber para onde deveriam ir. O pensamento continuava longe, evitando o assunto odiado. Forçou-se a focar pelo menos os nomes dos ônibus que passavam. Tomou um comprimido, a tão amiga dipirona, e esperou.

Levou cerca de meia hora para que passasse um veículo, o primeiro da linha noturna que passava pelo bairro dele. Eduardo levantou-se, fazendo sinal para que o ônibus parasse. Ele parou lentamente, abrindo as portas como se espreguiçasse. O rapaz olhou o ônibus quase vazio, apenas com dois passageiros, parecendo perdidos como ele: um senhor idoso sentando na frente e uma moça ressonando no banco junto ao cobrador. Passou a catraca e jogou-se no último banco a direita da condução, memórias passeando junto com ele, levando-o para casa.

Humanidades

O dia da Tortura


O rádio-relógio despertou às 08:00. Rodrigo levantou-se maquinalmente, pegou suas roupas, e saiu do quarto, como de praxe. Como de praxe esbarrou na cama do irmão, e não viu a irmã bocejando no quarto da mãe. Na verdade ele só acordaria quando tomasse banho. Aliás, era por isso que tomava banho de manhã; se não o fizesse ficava com sono. E então despertaria para sua rotina: fazer alguma lição não terminada, assistir desenhos, almoçar, sair com a mãe e a irmã, ir para a escola, estudar, pegar a irmã que esperaria na secretaria (ela saia mais cedo das aulas). Então ir pra casa, fazer sua janta e a da Rosângela, ajudar ela com a lição e fazer a sua. Lavar a louça, e deixar dois pratos prontos para sua mãe e irmão, que chegariam por volta das 11:00. Ele, da faculdade, ela do 2º turno da tecelagem. Era assim sua vida durante a semana, geralmente.
Ao passar pela cozinha indo para o banheiro ouviu a voz da sua mãe:
- Rápido, querido, que hoje é segunda. Temos de ir ao mercado!
Essa frase o acordou melhor até do que um banho frio faria. Então era dia da tortura? Foi-se arrastando para o banheiro, xingando mentalmente. Lá chegando tomou banho, escovou os dentes, coçou o buço de garoto de 13 anos (que ele insistia que tinha enquanto que Rômulo, seu irmão, dizia que era imaginário), e saiu como um boi para o abatedouro. Qualquer um poderia dizer que ir ao mercado com a mãe não é o fim do mundo, mas isso é porque ninguém fazia compras como a mãe dele. Era, de fato, enervante pois ela levava a manhã inteira, fazia o garoto andar quase 6 kilômetros, e o que era pior para um garoto de 13 anos, fazia ele pagar vários “micos”.
Prá se ter um idéia, começava com ambos descendo a rua da sua casa duas quadras, virando a direita até o fim da rua. Então descem o escadão, pegam a rua a direita e chegam a uma avenida, quase em frente a um daqueles mercados pequenos mas de rede, do tipo que você acha em todos os bairros. Então ela entra, faz a pesquisa dos produtos e não compra nada. Eles pegam a rua lateral ao mercado, passam o largo do bairro e tomam a rua da feira. De lá andam mais 1 Km até o mercado do bairro. Ela compara o preço dos dois mercados e ainda não compra nada. Eles saem e entram na avenida principal do bairro, onde finalmente, depois de mais 1,5 Km chegam ao um supermercado daquelas grandes redes internacionais. Então ela compara os preços das três lojas e compra apenas o que e mais barato no grande supermercado. E quando ambos estão na fila, perto já do caixa, ela se “lembra” de pegar mais uma coisa. Então sai com recomendações que Rodrigo deixe que o próximo da fila passe à sua frente. Ela demora bem mais do que deve por que olha mais cinco coisas, e enquanto isso o filho fica lá “com cara de bobo” (como ele mesmo diz), deixando, quatro, cinco pessoas passar à sua frente. Eles saem então, nas mãos sacolas brancas, com Rodrigo carregando o maior peso e dirigem-se ao segundo mercado. Então Rodrigo senta-se ao lado do mercado, olhando as compras enquanto sua mãe busca o que for mais barato neste supermercado (as sacolas deste são vermelhas). Finalmente, repetindo tudo no primeiro mercado, eles se dirigem à casa, uma festa de sacolas azuis, vermelhas e brancas que virarão sacos de lixo. Se fosse apenas isso Rodrigo até agüentaria, mas a mãe insiste em “dar uma olhada” em qualquer loja do caminho, e com isso eles chegam em casa em cima da hora; Rodrigo só tem tempo de tomar outro banho (um garoto fazendo este esforço acaba fedendo), almoçar e sair. E lhe é realmente enervante.
Aquele dia não pareceu em nada diferente. Eles seguiram a rotina até o grande supermercado. Rodrigo pensou no pai, encarregado de manutenção das máquinas de uma fábrica de automóveis. Quando ele era vivo eles não precisavam dessa pesquisa de preços extrema. Pensou também em como queria um emprego. É claro que no dia da tortura ele pensava mais em ter um compromisso as segundas de manhã, e deixá-las à irmã, mas a motivação principal sempre foi a independência financeira. Óbvio que ele teria de ajudar em casa, mas valeria à pena. Talvez a Rosângela nem precisasse passar por isso, pois se o salário dos três fosse suficiente talvez a mãe parasse de andar que nem um judeu errante prá comprar alface. Quem sabe ele não poderia juntar o dinheiro prá comprar aquele videogame novo que todo mundo queria? Mas não o deixariam trabalhar tão cedo. Como o Rômulo mesmo dizia:
- Olha, Drigo, você tem de estudar cara! Prá melhorar de vida! Vê o meu caso, eu sou burro que nem uma porta mas sou teimoso. Eu quero mais pra mim. É por isso que eu trabalho até as 15:00 como operador vendendo capitalização e vou direto prá faculdade. Pra aprender. E você deve fazer o mesmo....
Aqueles pensamentos o alentavam enquanto a tortura acontecia. Tanto que tomaram a fila do caixa e ele nem percebeu. Só acordou com a mãe dizendo:
- Ih, esqueci de comprar laranja!
- Deixa que eu vou mã! – E, sem esperar resposta saiu correndo. Rodrigo não agüentaria outro dia “mandando o povo passar”. Rapidamente chegou ao setor de hortifruti, e facilmente escolheu uma dúzia de laranjas. Passar tanto tempo com a mãe trazia vantagens; ele sabia escolher qualquer coisa. Então Rodrigo pesou as frutas, e já se encaminhava para o caixa quando ele tomou um susto. Com um saco na mão junto a banca de tomates estava Laudicéia, uma menina da sua escola por quem ele era apaixonado. Ele continuava boquiaberto enquanto a menina – a menina mais bonita que ele já vira, e com o nome mais feio – na ponta dos pés pegava os tomates do topo da pilha. Rodrigo finalmente pensou uma coisa coerente como “se eu continuar olhando prá ela alguém vai reparar...”, quando a menina desabafou:
- Que droga! Como se escolhe essa porcaria?
Sem nem pensar, Rodrigo juntou-se a menina dizendo:
- Você aperta um pouco, e vê se ele está firme. Dá uma olhada! – e mais rápido que a maioria das mulheres dali ele escolheu várias frutas (sim, tomate É fruta!) que pôs na mão da menina. Ela parecia tão surpresa quanto ele:
- Você... cê é o Rodrigo, né?
- Sou...
- Oi, tudo Bem? O quê que cê ta fazendo aqui?
- Ajudando minha mãe com as compras...
- Que legal! É bom ver um rapaz assim responsável... a maioria do povo da nossa idade não ta nem aí prá nada! Vocês vem sempre aqui?
- Bom...
- Ih, eu tenho de ir. A gente pode continuar essa conversa na escola, que tal?
- Anh? Ah tá, ok!
- Então a gente se vê na escola. Tchau! - e foi embora pesar os tomates, e depois para o setor de carnes. Rodrigo não podia nem acreditar que de ter vindo com a sua mãe... peraí, sua MÃE? Ele chispou na direção dos caixas, quase derrubando as laranjas. Encontrou junto a sua cesta de compra uma carranca do São Francisco que vagamente lembrava sua mãe. Ela disse:
- Finalmente! Teve de plantar a laranjeira, é? Sabe quantas pessoas eu tive de deixar passar? – Ele olhou para o senhor que pagava as compras e respondeu:
- Tipo... uma? Tá reclamando do quê, se toda a vez que eu tenho de te esperar eu passo quatro na frente!
A mãe continuou a ladainha, mas ele nem ouviu. Pensava no seu encontro com Dicéia (sim, agora ele se permitia chamá-la pelo apelido). Era só impressão ou ELA tinha comandando tudo e chamado ele prá conversar? Era melhor do que ele esperava. E pela primeira vez ele não reclamou uma vez sequer do itinerário que fez com a sua mãe. Só teve pressa em chegar em casa, as sacolas como bexigas coloridas anunciando dia de festa.

Caos Urbano II

Insanidade Américo

São Paulo, meio dia em ponto. Ele pára e olha em seu relógio. Quem o visse parado não repararia; afinal era apenas outro transeunte. E, admitamos, quem o olhasse atentamente não veria nada de mais tampouco: Entre quarenta e cinqüenta, franzino, de óculos. Os cabelos rebeldes no que um leitor mais culto chamaria de “estilo Beethoven”, camisa de lã simples e calça jeans, com um tênis tipo conga, azul. A qualquer um que o enxergasse, partindo do princípio que enxergar e ver são duas coisas distintas, pensaria nele como um professor de ciências, como os que existem às pencas em filmes da sessão da tarde. Mas ninguém pensaria nele por muito tempo mesmo porque ele parara no centro de São Paulo, e fora o único, já que São Paulo não sossega nem em fim de semana especialmente seu centro, grande formigueiro onde cada um tem uma tarefa que não permite atrasos.
Ele então levantou os olhos, e reparou que estava onde devia: no viaduto do Chá. Lugar lindo de se admirar, pelo menos no cartão postal. Apenas quem o viu ao vivo é capaz de apreciá-lo, com seu sol de rachar, sua multidão compacta e ainda assim fluida, as mulheres que lêem a sorte e os vendedores com seus produtos no chão. Posto que era o lugar e a hora ele pensou em começar. Postou-se entre duas baianas jogadoras de búzios e levantou a cabeça. Só assim pôde-se ver seus olhos, e todas as impressões acima caem por terra. Algo neles havia de terrível e inominável, que faria qualquer um evitar o dono daqueles olhos febris. Ele pigarreou e disse na voz mais alta que pôde:
- Amigos, companheiros, concidadãos!
As pessoas que estavam à sua volta afastaram-se instintivamente, alguns olhando assustados e outros ressentidos. Ele continuou, agora gritando:
- ESTAMOS VIVENDO UMA MENTIRA!!!!!!! SOMOS TODOS ESCRAVOS!
Algumas pessoas pararam, algumas mesmo procurando o gesto clássico da mão batendo no livro ou levantando-o, sinal básico indicativo dos pastores que infestam a região, procurando salvar a alma daqueles que querem apenas ser salvos de seus sermões. Não o vendo, continuaram no lugar, esperando o próximo passo. Sorrindo ele continuou.
E ninguém entendeu nada. O camarada começou a falar de maneira enrolada no que alguns, mais pelo sotaque do que por conhecer a língua reconheceram como Francês. A pequena multidão ficou decepcionada, e depois ultrajada já que queria entender o que lhe era dito. Mas a verdade é que o discurso por si só tinha força, o homem tinha o carisma de um desvairado discursando (o que não deixava de ser preocupante, convenhamos). E ele, empolgado, começou a cantar uma música. Apesar disso, uma mensagem tem que ser entendida para prender as pessoas ali, e ele viu espantado sua platéia minguar. Ficou agoniado e falou:
- SERÁ QUE VOCÊS NÃO ENTENDEM??? – começou a arrancar os cabelos e bater na testa de raiva. Aqueles que insistiram em acompanhá-lo agora riam dele e assim que nosso personagem viu, desesperado, crescer o número de pessoas que zombavam dele. Ele continuou em inglês mas ali não havia quem o pudesse compreender. Rasgou a camisa em desespero com um grito, e o povo aplaudiu, imerso que estava no que agora se desenrolava como um drama cotidiano. Continuou com um palavrório esquisito, que provavelmente era grego. Afinal é quando se fala assim você pode perguntar “tá falando grego ou o quê?”. Jogou seus tênis longe, e continuou num som que parecia um canto gregoriano. Continuavam zombando dele, e ele o percebeu com um laivo de desesperança. Ameaçou retirar calça e cuecas. Foi quando alguém percebeu (uma beata, provavelmente) o quão perigoso ele podia ser e foi buscar a polícia, cujo posto móvel parara um pouco mais à frente, junto a rua direita. Ele finalmente se desnudara, para vergonha de alguns quando os agentes da lei chegaram. Tendo-os percebido, ele fez o impensável: passou por cima do muro de contenção, ficando a um passo de cair. Uma mão segurando a beirada, um pé na reentrância que ali existia e o resto solto, abaixo apenas o vale do Anhangabaú. Alguém na multidão gritou.
Olhando para baixo, ele começou a bradar ferozmente numa língua mais enrolada que o grego, e que pela vocalização parecia algo saído de um gulag embora ninguém ali, nem os guardas soubessem o que um gulag era. E não, não é um cozido, isso é gulash. Ouviu uma voz contrapondo-se a sua. Percebeu que era um dos oficiais que pedia para ele não pular. Ele não entendia, como o policial poderia pensar isso e percebeu, pelo olhar interrogativo de todos que não poderia resistir a sair dali, ninguém o ajudaria, mesmo porque ninguém o entendera. Destroçado, entregou-se às autoridades. Eles o vestiram e trataram de levá-lo a algum lugar que oferecesse tratamento ao pobre homem.
Ele olhava da janela entristecido para a multidão que agora fazia-lhe cara de pena. Só lhe restava morrer. Ninguém havia entendido, não pudera salvar ninguém. Recitara-lhes La Boetie, Lafargue, Cicero e Virgílio, Platão e Bakunin. Chegara mesmo a cantar a Marselhesa. Enfim, tentara a todo custo libertá-los, mostrar que o sistema em que viviam era aviltante e sustentado apenas por eles mesmos; assim se libertar seria extremamente fácil.
Mas falhara miseravelmente.

Do Trabalho ou Falta Dele II (Antigo)

Dia de trabalho (2)

Ele cambaleia, tonto. Só acordará ao sair de casa, o vento gelado batendo-lhe nas faces. Toma um banho, se arruma. Toma o café “negro como a noite e quente como o inferno”, junto com um pão-com-manteiga. Pede à mãe mais uma canoa. “humpf!” é a resposta.

Olha para o relógio e quase cospe o café. “Merda!” pensa consigo mesmo – “Perdi a hora de novo. Bosta...”. Levanta-se apressado; o beijo a mãe pega no ar, murmurando ao mesmo um “vai com Deus!”. No ponto a massa se aglomera. Passa um ônibus que mal fecha as portas. Ainda assim alguns forçam a subida. Resolve esperar outro.

O próximo passa tão lotado que têm gente na porta. “Será que eu tomei a vacina de febre aftosa?” – pensa cínico. Afinal, é o que alguém no departamento de transportes acha que somos. Gado, pura e simplesmente. Finalmente pega o terceiro ônibus, “atrapalhando” junto da catraca. Melhor que um coitado que sem ter onde ficar esperou no corredor e quase foi acusado de assédio quando uma senhora rotunda não conseguiu passar. Descendo no ponto final, ele se apressa em entrar no trem. Resolve pegar em sentido contrário, para poder ir sentado. Consegue, não sem dificuldades o lugar que merecia. Duas estações (e uma centena de pessoas) depois, uma senhora de bengala se aproxima de seu lugar. Ele olha para os assentos reservados. Todos fingem estar dormindo! Praguejando baixinho cede o lugar, e descobre que por mais que parecesse impossível entra mais gente no trem.

Começa a imaginar como uma sardinha se sente. Ou se sentiria; afinal estão mortas, há para elas ainda o sustentáculo do amor-próprio. Já para nós... Bem somos como sardinhas “Coqueiro, por favor! Se sou uma sardinha pelo menos sou uma de marca” – lembra-se de ouvir um amigo dizer. “Maldito!” – diz baixinho, com um sorriso no rosto, e imediatamente três homens próximos olham para ele, de cara fechada. Ele baixa os olhos envergonhados.

Finalmente chega, três estações depois. Ao pôr o pé pra fora, pisa em algo que algum bêbado deixou; nem pragueja, afinal ainda há chances de chegar no horário. Correndo, quase sendo atropelado, ele miraculosamente bate o ponto um minuto antes. Na sua baia espera seu chefe, de cara fechada, a baia parecendo mesmo o que o nome supõe, especialmente com aquele ser bovino ali. “Ah!, bom o senhor ter chegado!” – diz com a cara mais cínica, como se ele estivesse atrasado. “Vem comigo, que tem umas demandas pra você me entregar até as dez!”.

Ele suspira e o acompanha. Vai ser um longo dia...